Muitas cidades têm projetos inovadores, mas isso não significa que elas sejam criativas. É preciso pensar a cidade como algo que faz parte da vida das pessoas. Charles LandryAs cidades, e principalmente as grandes, em razão da sua geografia e do ambiente natural e cultural e humano, encontram na organização de seu espaço físico a vocação para o lazer e turismo. Todos conhecem a atração das cidades litorâneas não só pelas suas belas praias, mas também pelo polo de negócios de seus portos. Da mesma forma, há regiões que pela sua história, cultura e monumentos, atraem visitantes de todo mundo bem como outros lugares que são conhecidos por serem polos industriais, comerciais, religiosos, tecnológicos ou esportivos. Espaços recreativos e culturais são importantes para seus moradores e mais valiosos para visitantes estrangeiros como fonte de negócios e de desenvolvimento. No último artigo que escrevi para este blog (10.10.2015) comentei sobre um grande evento — a “3ª Semana do Design do Rio”— em cujo conteúdo abordei a indústria criativa e pouco destaquei a divisão do Rio de Janeiro em distritos criativos, parte de uma política pública desenvolvimentista exitosa, aliada à transformação urbana extraordinária promovida pelo Programa Porto Maravilha. Este tem como propósito oferecer à população da Região Portuária, com ruas revitalizadas, equipamentos culturais modernos, promover maior integração entre meios de transporte, criar espaços para o lazer e para o pedestre e promover o turismo em alta escala. Trata-se de um dos maiores projetos do Rio que, desde 2009, vem requalificando uma de suas mais importantes regiões. As transformações envolveram a demolição do Elevado da Perimetral — importante símbolo de uma cidade voltada para carros e que durante anos contribuiu para a degradação da região — a revitalização da Praça Mauá e a criação de novos pilares culturais, como o Museu de Arte do Rio (MAR), o Museu do Amanhã e até a construção de um boulevard em plena Avenida Rodrigues Alves. Tendo em vista este grande projeto na cidade do Rio de Janeiro, é importante abordar o conceito de cidades criativas que surge pela primeira vez, nos anos 1980 na Europa como solução para a crise industrial, econômica e cultural. Segundo Charles Landry, qualquer cidade possui mais recursos do que se imagina. Só é preciso criatividade para que as zonas urbanas se abram à cultura, desenvolvendo ações culturais singulares e gerando espaços de trocas solidárias. Assim, as cidades podem revitalizar sua economia e garantir o bem-estar a seus habitantes. Quando pensamos em crise, como a que atravessamos atualmente, em geral nos referimos às indústrias fechadas, ao desemprego, ao mercado de ações, às manifestações de cidadãos encolerizados vivendo em casas abandonadas porque não conseguiram quitar suas dívidas com bancos e empreiteiras. Quase nunca pensamos nos novos modos de desenvolvimento e nos modelos econômicos que podem vir a ser gerados tais como as cidades criativas. Em 2004, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) lançou a Rede de Cidades Criativas, cujo objetivo é promover a diversidade cultural e incentivar a valorização do potencial criativo, social e econômico de coletividades locais. Hoje 69 cidades (duas no Brasil — Curitiba e Florianópolis), em 32 países, partilham suas experiências em sete setores das indústrias criativas: literatura, cinema, música, artesanato e arte popular, design, arte digital e gastronomia. Segundo Ana Carla Fonseca Reis, as cidades criativas apresentam três características. A primeira é a sua capacidade de produzir inovações que não se restringe às que ocorrem em laboratórios ou polos tecnológicos, mas que envolvem também inovações sociais, soluções para problemas os mais diversos. A segunda está representada por conexões de natureza profundamente variada entre: as áreas da cidade; a cidade e a sua história; a cidade e o mundo; o público/privado e a sociedade civil e as chamadas áreas do saber. A terceira permite olhares diferenciados na busca de soluções para novos e velhos problemas. A cultura, entendida como o conjunto de manifestações com conteúdo simbólico e intangível, tanto pode beber de raízes tradicionais, como se alimentar de influências externas, ou ainda de ambas, quanto dialogar com as especificidades da cidade, com o que lhe é peculiar e lhe confere caráter único. Desse modo, para que as cidades possam desenvolver sua singularidade criativa, devem sensibilizar seus cidadãos a ultrapassar a simples reorganização econômica e social. Devem investir no “terceiro lugar”, um local partilhado e “neutro” que fica entre a moradia e o trabalho, um lugar onde o pensamento criativo possa ser liberado, onde pessoas possam se encontrar para se divertir, trocar ideias e relaxar. Devem investir em novas áreas que até final do século passado pareciam secundários e sobretudo não produtivos do ponto de vista econômico, como a cultura, a arte, o esporte, o entretenimento, mas que no século XXI podem dar um novo impulso às cidades e gerar muitos empregos. (É o que está sendo feito no Rio para atração após as Olimpíadas). A emergência das cidades criativas exige que sigamos uma lógica cada vez mais complementar – local e global, público e privado, dinheiro e satisfação, economia e cultura. De uma organização de saberes em silos – caixinhas impermeáveis, fechadas em si mesmas –, passamos para a era dos times, das equipes, das forças-tarefas, nas quais os olhares se somam e convergem. Das nanotecnologias ao reconhecimento de muitas práticas culturais, surgem novas profissões e carreiras. A chave para essa nova geografia urbana é a educação. A questão é: que tipo de educação? Ken Robinson em seu livro lançado em 1999 All our futures: creativity, culture and education, salienta que os nossos sistemas educacionais são responsáveis em grande medida, pela criatividade dos estudantes. Em princípio, qualquer pessoa é criativa, embora em níveis diferenciados. Mas todos podem se tornar mais criativos. Segundo Pierre Bourdieu, além do capital financeiro importante para comprar coisas, há o capital social, cultural e simbólico. Dependendo da educação que se possui, do círculo de amigos e de suas referências, uma exposição de arte pode significar um monte de rabiscos sem sentido ou um enorme prazer. Boa parte da arte precisa ser aprendida e internalizada para ser apreciada. Dessa forma, as distinções entre classes não se dão somente “por quem tem dinheiro e por quem não tem”, mas também pelo modo como as diversas formas de capital estão disponíveis para cada um. Esse capital cultural, intangível também pode ser um irradiador de demanda por pequenos empreendimentos, tais como bares, restaurantes, lojinhas, galerias, serviços especializados, gerando um dinamismo local. Em um mundo pautado pela busca do diferencial, a valorização do que é intrínseco a uma comunidade ganha maior força. Mas é preciso ter “olho de lince” para perceber oportunidades e divisar onde está a “vocação única” de uma cidade. Apesar das novas realidades e infinitas possibilidades será que alguém já pensou em tomá-las como referências para orientar as diretrizes curriculares da para o ensino superior brasileiro?